quinta-feira, maio 09, 2013

Um texto de enorme atualidade


Este texto é de 2009 e chegou-me agora pela mão de uma amigo.
O seu autor é Henrique Neto, um empresário já maduro, que, ontem proferiu uma interessante conferência a propósito da falta de uma estratégia nacional de desenvolvimento sustentável.
 
Segundo Henrique Neto , "o poder não tem pensamento e quem pensa não tem poder."  Esse é, talvez, o maior drama português do nosso tempo.
 
Cito-o:
 
 

Os Erros e os Desmandos da Economia Portuguesa


A economia portuguesa está mergulhada numa crise profunda, da qual não sairá tão cedo. Desde logo porque não se trata de uma situação conjuntural provocada pela crise financeira internacional, como muita boa gente, a começar pelo Banco de Portugal, quer fazer crer. A crise é estrutural, começou muito antes do fenómeno do  “subprime” ter surgido e manter-se-á  até muito depois dos outros países terem resolvido os seus problemas. As causas  são conhecidas: atraso histórico; um país essencialmente pobre e ignorante; politicas erradas de sucessivos governos; despesa pública excessiva; endividamento do Estado e das famílias. 

Em 5 de Maio de 2001, há oito anos portanto, publiquei um artigo no jornal “Expresso”, em que contrariava as teses do Governo de António Guterres, que se alardeava do sucesso da economia portuguesa. Nesse texto denunciei a fantasia do sucesso económico português, preveni contra a crise eminente no horizonte e enumerei os vários erros das politicas governamentais. Talvez valha aqui a pena recordar a parte do texto em que tentei chamar a atenção dos portugueses para os erros e omissões da política económica. O que repeti numa moção de estratégia que apresentei ao XII Congresso do Partido Socialista. Escrevi então:

“1-Inexistência de uma estratégia conducente à modernização e inovação nos sectores de bens transaccionáveis, como condição de melhorar a relação de troca da nossa economia com o exterior, sem o que restará apenas reduzir o consumo, ou seja,  apertar o cinto dos portugueses.”

“2-Ausência de uma política activa de atracção do investimento estrangeiro, erro que é agravado pela incapacidade de negociação internacional do Governo e pelas políticas de incentivo ao investimento português no estrangeiro, nomeadamente em países como o Brasil.”

“3- Excessiva concentração temporal de obras públicas, muitas delas de interesse nacional mais do que duvidoso.”

“4- Política orçamental laxista, desligada de qualquer estratégia de desenvolvimento, com o resultante crescimento dos custos sociais e da burocracia.”

“5- Indisciplina geral no funcionamento do Estado e na sua relação com a economia, nomeadamente a acumulação de dívidas às empresas e destas ao Estado.”

Depois da publicação do artigo descrito os erros governamentais continuaram,  cada vez mais graves, até aos nossos dias. Além disso, os sucessivos governos não cessaram de negar a realidade ao seu redor e de pintar cor de rosa o cenário da economia portuguesa. Consciente ou inconscientemente, os nossos governantes, os deputados na Assembleia da República e a generalidade da classe política, coligaram-se para de forma sistemática iludir os portugueses quanto ao verdadeiro estado da Nação. Mas fizeram mais, deixaram que as politicas públicas fossem orientadas para permitir a especulação, os favores do Estado a amigos e a privilegiados, a corrupção e o enriquecimento indevido de sectores razoavelmente conhecidos da sociedade portuguesa. A corrida  a mordomias  públicas bem pagas, por vezes indecorosamente pagas, a voracidade das administrações das empresas públicas e privadas próximas do poder político, tem sido a regra, que o actual Governo continuou e ampliou. Apesar da pobreza extrema de Portugal e de milhões de portugueses a apertar o cinto para sobreviver, nunca se viu em Portugal tanta riqueza e tanto dinheiro fácil, como nunca as politicas do Estado foram tão desajustadas relativamente ao interesse colectivo da Nação. Mesmo agora, em situações de desmando tão evidentes como é o caso do Banco Português de Negócios, as instituições do Estado afadigam-se a evitar que sejam conhecidos os factos  e denunciados os culpados e os favorecidos do sistema. Mesmo a Assembleia da República, onde supostamente habitam os representantes do povo português, viu recentemente recusada a sua pretensão de acesso à documentação do BPN, com a nota de que esse acesso, a verificar-se, não permitirá o conhecimento público do que realmente se passou, devendo ficar no segredo dos deputados, que, para isso, fizeram juramento. Ou seja, estão bem uns para os outros.

Por tudo isto, Portugal precisa urgentemente de mudar de rumo na direcção de  uma politica económica sã, verdadeira e ajustada ao estado real da Nação e do mundo em que vivemos É verdade que para recuperar a economia são precisos sacrifícios, é certo ser necessário mais investimento e empresas mais  competitivas, mas acima de tudo é preciso desenvolver um clima de seriedade e de justiça na distribuição equitativa das sacrifícios necessários e dos recursos nacionais, de forma a que aqueles que mais precisam não sejam chamados a pagar pelos erros cometidos e pelo enriquecimento de alguns. Mas, para isso, para ser possível criar o clima de confiança necessário à recuperação, é essencial acabar com o domínio das pequenas oligarquias dirigentes dos partidos políticos, bem como reduzir o poder dos partidos na sociedade portuguesa e encontrar novos dirigentes com suficiente conhecimento da economia mundial e da vida das empresas. Dirigentes que sejam conhecidos pela sua competência e pela seriedade dos seus propósitos e não estejam comprometidos com os erros e as omissões do passado recente. Se isso é possível ou não, não sei, mas receio que sem uma forte tomada de consciência dos eleitores portugueses, o saque aos poucos recursos de que dispomos continue. A decisão recente do Governo de isentar de concurso público o lançamento de obras do Estado central e das autarquias, demonstra-o mais uma vez.

 

08-01-2009

Henrique Neto

quarta-feira, maio 08, 2013

Europa: um continente de mentecaptos e vigaristas

Os vícios dão a volta ao Mundo.
O continente da decadência é a Europa. Os génios ou são mentecaptos ou são vigaristas.
Fic triste quando vejo Portugal - euq deu novos mundos ao Mundo - a ser "comido" por esta canalha.

Cito o jornal Público de hoje, sem comentários, porque não são necessários:

"O Banco Central Europeu (BCE) reconheceu nesta quarta-feira que o modelo da troika de credores internacionais, que vigia os programas de ajustamento económico e financeiro dos países da zona euro objecto de ajuda externa, não é ideal. Mas aconselhou a que não seja alterado no meio da crise devido à falta de alternativas.
A posição foi assumida por Jörg Asmussen, membro do comité executivo do BCE, perante a comissão dos assuntos económicos e monetários do Parlamento Europeu e em resposta a uma questão da eurodeputada socialista portuguesa Elisa Ferreira.
"Para quando o fim da troika?", interrogou-se Elisa Ferreira durante um debate sobre as lições a tirar dos erros cometidos com a definição do programa de ajuda a Chipre e no contexto de uma crítica ao facto de, na troika (composta pela Comissão Europeia, BCE e Fundo Monetário Internacional), não haver "ninguém que seja responsável".
Em resposta, Asmussen afirmou que reconhece "plenamente" a preocupação subjacente à questão, e apontou como deficiência o facto de os mecanismos de socorro aos países em crise serem de carácter "intergovernamental", o que significa que precisam da unanimidade dos 17 países do euro para serem accionados. Na altura (Maio de 2010) "não havia nada disponível" e o modelo "teve de ser feito rapidamente e no quatro do actual Tratado", justificou Asmussen.
Porém, "o modelo tem de ser mudado", mas "não aconselho a alterar o sistema da troika agora no meio da crise (...) porque neste momento não temos alternativa", defendeu. Ao invés, "a longo prazo temos de o mudar", frisou, defendendo que a Comissão Europeia "tem de ser posta no centro" do processo. A afirmação equivale, implicitamente, a retirar o FMI do processo.
Nesta lógica, Asmussen considerou ainda que "a troika poderá acabar quando o Mecanismo Europeu de Estabilidade (o novo fundo europeu de socorro) se tornar numa instituição plena".

domingo, maio 05, 2013

O fatalismo e o conformismo portugueses e a manipulação

Dou comigo, depois de desligar o televisor, a reler o artigo de Vitor Soromenho Marques, no Diário de Notícias (2/5/2013).
O maior malefício de que Portugal tem sido vitima, nos últimos anos, é o da manipulação e o da deformação so sentido das palavras.
Não há nem nunca houve um projeto de "ajustamento" das finanças portuguesas. Como não houve nenhuma "ajuda" a Portugal para resolver os seus problemas orçamentais. 
Falar de "ajuda externa" dos "credores internacionais" de Portugal para qualificar o recurso a mecanismos disponíveis em organizações internacionais de que Portugal é membro (e em que participa com quotas de capital) é, para além do mais, uma terrível asneira.
Portugal - tal como a Grécia e Chipre - são vitimas de um violento processo de especulação, a que os espanhóis e os italianos resistiram heroicamente.
O Banco Central Europeu empresta moeda a 0,5%, mas não faz empréstimos aos Estados. Quem ganha com isso são as entidades financeiras, que multiplicam os recursos monetários por mais de 10 e o emprestam a taxas fabulosas, a que se somam comissões milionários.
A garotada que, por culpa dos Portugueses, tomou conta do poder não tem condições para ir tomar um café no restaurante da esquina. Mas tem a ousadia de escravizar um país, de forma violentissima e adequada a destruir a soberania.
O desequilibrio orçamental português foi gerado, essencialmente, por despesas internas que se desequilibraram, em termos percentuais, por relação ao PIB, porque este baixou, em razão do estrangulamento a que foi sujeito todo os setor produtivo.
Pedirmos dinheiro ao estrangeiro para pagar as despesas internas é como ir  comprar água a Espanha, quando a temos com fartura em Portugal.
Não precisamos de "ajuda" de ninguém para pagar aos nossos funcionários, aos nossos médicos ou aos nossos professores.
Tampouco precisamos de "ajuda" para pagar aos pensionistas e aos desempregados, que todos os dias aumentam.
Precisamos é de uma moeda própria, que possa ser usada para dinamizar a economia, para recuperar as fábricas, para voltar a por a terra a produzir.
A "moeda única" que não é única em coisa nenhuma, serve apenas como instrumento da nossa destruição e anulação completa da nossa competitividade.
É hoje rara a aldeia portuguesa onde não haja uma loja chinesa, dessas que vendem tudo desde o alfinete à tela para pintura. Ainda ontem estive em Odeceixe, onde a principal loja deixou de ser a do Sr. José Duarte (onde também se vendia tudo) para ser um estabelecimento chinês, no largo principal, à frente da Junta de Freguesia.
O euro serve, essencialmente, para catalisar fenómenos como este, que só vivem à custa do crescimento da própria dívida pública. 
O que compramos nessas lojas não vai pagar aos operários que produziram os bens; é transformado em títulos de divida pública, que todos voltaremos a pagar um dia.
As casas estão ao abandono, porque os proprietários não têm dinheiro para a manter. E os prédios rústicos estão completamente abandonados, porque não há o capital mínimo para comprar os adubos e as sementes.
O atual governo já criou uma "bolsa de terras" que tem como objetivo - literalmente - roubar as terras a quem as tiver, para um dia as "privatizar". Nem os comunistas ousaram fazer isso, com tão grande desvergonha e violência, no tempo da reforma agrária.
Se continuarmos a tolerar isto, acordaremos, um dia sem-abrigo.
Já há muitos sem-abrigo, em Portugal.
Esse fenómeno não era conhecido desde o fim da I República e o início da Ditadura.
Faz parte do movimento histórico.
Começa agora a fazer mais sentido o estudo a que se refere o artigo de Vitor Soromenho Marques, que reproduzo abaixo.
Claro que, num dia destes, os alemães se acharão com o direito de nos tomar as casas e as terras.
Claro que, tendo forçado o Estado a emprestar dinheiro aos bancos, se sentirão com o direito de tomar conta dos bancos.
Os chineses seguem-lhe o rasto, com a enorme vantagem de estarem instalados em todo o país, desde a avenida aqui ao lado (visitem a Megastore da Álvares Cabral, em Lisboa, onde era o velho Palhinhas...) até ao mais recôndito vilarejo.
Ou restauramos a soberania monetária, ou  nunca mais nos equilibramos.
Alguém tem dúvidas?


Cito Vitor Soromenho Marques

"O caminho de fatalismo e resignação - subordinando o País às exigências mais bizarras dos nossos incompetentes credores -, a que Cavaco Silva, Passos Coelho e Vítor Gaspar condenam o País, tornará inevitável um segundo resgate. De acordo com os cálculos de Ricardo Cabral, num estudo ainda no prelo, o volume da dívida pública portuguesa obrigará a recorrer, depois de 2014, a refinanciamentos anuais no mercado em montantes de 16 mil milhões de euros, muito mais do que os dez a 12 mil milhões de euros que o Estado era capaz de refinanciar antes do memorando de entendimento, numa altura em que tinha um rating positivo (investment grade). Seria preciso um milagre para que, com um rating de "lixo", Portugal pudesse manter o seu serviço de dívida em condições de normalidade. Na verdade, a única alternativa seria o apoio do BCE através do mecanismo OMT. Contudo, é altamente improvável que Portugal tenha condições para se candidatar a tal apoio quando, como é sabido, o Bundesbank continua a fazer fogo cerrado sobre um mecanismo que, mesmo sem ter ainda saído do papel, tem tido resultados positivos. Aliás, para o influente economista alemão Hans-Werner Sinn é claro que "Portugal necessita de um novo programa de resgate" ("Should Germany exit the euro?", Project Syndicate, 23/4/2013).
As perguntas essenciais são estas: quais são as condições que poderemos antecipar para o novo "apoio" a Portugal, o mais tardar no segundo semestre de 2014? Estará o País em condições de suportar essas condições sem se fraturar internamente?
As condições do Bundesbank
Concordo inteiramente com Ricardo Cabral quando este aponta para duas exigências muito danosas para o País, que, com toda a certeza, serão impostas. A primeira será a reprodução dos requisitos do bail-in, que foram experimentados em Chipre. Os depositantes em bancos nacionais irão aprender à sua custa que, afinal, Jeroen Dijsselbloem, o presidente do Eurogrupo, não se enganou quando, numa conferência em março de 2013, referia que os expedientes aplicados em Chipre seriam aplicados noutros países, quando considerado conveniente e necessário pelos credores. A segunda condição será, com grande probabilidade, a utilização parcial ou integral (eventualmente como garantia ou qualquer outra forma indireta) das reservas de ouro nacionais, para amortizar a dívida. Julgo, contudo, que existirá uma terceira condição, e que será essa que ditará o ponto crítico onde se jogará, duplamente, o destino do segundo resgate e o próprio futuro de Portugal como país que vacila entre a recuperação ou da perda total da soberania.
Para compreendermos qual será essa terceira condição temos de recuar um pouco no tempo, seguindo o fio temático que abordei no meu recente artigo "O Estado social da Europa de Merkel" (DN, 21/4/2013). Em 2006, o BCE e os bancos centrais da Zona Euro iniciaram um estudo sobre o património das famílias nos diferentes países europeus ("Household Finance and Consumption Survey"). O estudo, cujos primeiros resultados foram publicados em abril, causou uma vasta polémica na imprensa, que ainda prossegue. O principal responsável por isso foi Jens Weidmann, presidente do Bundesbank, que, ainda em março de 2013, não hesitou em lançar para a opinião pública alemã alguns dados - que não são nem rigorosos nem inocentes - visando inocular na opinião pública alemã a ideia tóxica de que as famílias espanholas, italianas e cipriotas têm em média um património muito superior às suas congéneres germânicas. Na imprensa económica mundial séria, como é o caso de um recente artigo de Paul de Grauwe (Expresso, 27/4/2013, as alegações do Bundesbank têm sido acusadas de terrorismo estatístico pela falta de rigor metodológico e pelo tratamento erróneo da informação. Mas a intenção de Weidmann foi atingida. O cidadão alemão comum pensa o seguinte: "Qual é o sentido de estarmos a contribuir com os nossos impostos para fundos de resgate de países cujos cidadãos são mais ricos do que nós?"
A terceira condição
Que impacto terá para Portugal a insistência do Bundesbank, secundada por outras instituições e figuras na Alemanha, incluindo Lars Feld, um académico que integra o célebre Conselho Económico do Governo de Berlim, conhecido por "Conselho dos Cinco Sábios"? Muito provavelmente, o segundo pacote exigirá - como terceira condição a acrescentar às duas acima apontadas - um novo imposto sobre o património imobiliário das famílias. As suas modalidades de aplicação poderão ser variáveis, devendo assumir um carácter temporário. Numa altura em que a "fadiga fiscal" atinge os impostos sobre o rendimento (IRS e IRC), e o IVA já ultrapassou os limites do razoável, como ocorre no sector da restauração, é mais do que provável que a estratégia de empobrecimento, ou, se usarmos a expressão "técnica", de "desvalorização interna", atinja a propriedade das famílias portuguesas, fazendo dos recentes aumentos do IMI uma brincadeira infantil.
Se e quando isto acontecer, a austeridade em Portugal ultrapassará o nível do Rubicão. Muito provavelmente, o País entrará numa entropia política e social em que o sofrimento e o empobrecimento serão os únicos dados que se poderão antecipar com toda a certeza. Os cidadãos preocupados com o futuro de Portugal e as instituições onde ainda resiste um mínimo de consciência patriótica e orgulho nas liberdades e direitos constitucionais terão à sua frente cerca de um ano antes desta catástrofe se tornar realidade. Teremos inteligência e coragem suficientes para a prevenir? Seremos capazes de nos reerguer como nação se o segundo resgate se impuser contra toda a boa racionalidade técnica e o bom senso político? Seremos capazes de defender o interesse superior dos portugueses e a bondade do projeto de uma Europa pacífica, "governada por leis e não por homens"?"

terça-feira, março 26, 2013

A bancarrota europeia


A expressão bancarrota  aparece associada à expressão  banca rotta, dos italianos, e à palavra bankruptcy dos anglo-saxónicos.
Na generalidade dos dicionários, aparece como significando falência ou insolvência, palavras que significam, ambas, a impossibilidade de solver os compromissos assumidos.
Os estados não podem, por natureza, entrar em bancarrota. As dívidas pagam-se em  moeda com curso legal. E a emissão de moeda legal é uma prerrogativa dos estados.
Por isso mesmo, quando se fala de bancarrota de um estado, há que suspeitar de que alguma coisa está a ser oculta aos cidadãos.
A situação de Chipre lançou a confusão na opinião pública.
Mas é, na sua essência, extremamente clarificadora.
É preciso saber ler nas entrelinhas e descodificar as montagens feitas por toda a comunicação social.
O que aconteceu em Chipre foi o princípio do fim do sistema financeiro europeu, que nem daqui a 20 anos voltará a ter credibilidade.
A pequena ilha era um paraíso confiante, onde,  desde britânicos a russos depositaram biliões, recebendo, naturalmente, os respetivos juros.
As pessoas e as empresas só procederam aos depósitos porque acreditaram que os bancos eram seguros e lhes devolveriam os seus recursos, como fazem os bancos que merecem crédito.
O que aconteceu foi que, com a aprovação da União Europeia, os depositantes não vão receber os seus depósitos, porque, literalmente, uma parte substancial dos mesmos foi confiscada, pelos próprios bancos à ordem da dita União.
É isto que, literalmente, se chama bancarrota.
A banca cipriota quebrou, assumindo os dirigentes da União Europeia o ónus da aprovação do não pagamento aos depositantes e do encobrimento do que está subjacente à crise.
O que foi revelado aos europeus foi que as instituições internacionais vão injetar 10.000 milhões de euros na banca cipriota e que, mesmo assim, é necessário que os depositantes de valores superiores a 100 mil euros percam entre 30% e 40% dos seus depósitos.
Não se trata de nenhuma taxa e foi afastada a ideia de concretização de um confisco direto, em que consistiria a apropriação de uma parte dos depósitos pelo Estado. O confisco aparece embrulhado nas imprecisas figuras da "ajuda" e do "resgate", que são meros fatores de encobrimento do que efetivamente aconteceu - um roubo.
Do que se trata é, pura e simplesmente, da aprovação, por todos os países da União Europeia, de uma regra que exceciona a obrigação de devolver uma parte do dinheiro depositado aos legítimos depositantes.
A questão é especialmente grave no concreto contexto de Chipre, uma pequena ilha, cujos bancos detinham depósitos de estrangeiros que, na totalidade, representam quase 9 vezes o produto interno bruto do país.
O excesso de depósitos em dinheiro é, obviamente, um valor positivo, apetecendo perguntar o que aconteceria se  esses depósitos não existissem. Consta que só os russos tinham em Chipre cerca de 70.000 milhões de euros, pelo que vão perder 21.000 milhões de euros.
Os suíços e os luxemburgueses sempre tiveram excessos de depósitos por relação ao produto interno bruto e nunca ninguém os acusou de terem um sistema financeiro desequilibrado, por excesso de depósitos, ou seja, por excesso de liquidez.
De duas uma: ou alguém desviou o dinheiro dos depósitos, inviabilizando a devolução dos recursos aos depositantes, ou estão todos os dirigentes europeus apostados num assalto ao sistema financeiro de um pequeno país, como teste para branquear os desequilíbrios gerados no sistema financeiro.
Vergonhoso é que se invoque a qualidade de “dinheiro sujo” para, literalmente, o roubar, como está a ser feito em Chipre.
Boa parte dos depósitos russos estão manchados pelo sangue dos mártires da União Soviética, que permitiram a sua acumulação e a apropriação pelos oligarcas russos, depois da queda do império.
Estão a roubar o roubado – como salientou o primeiro ministro russo, Dmitry Medvedev – como se vigorasse na Europa o velho aforismo que diz que ladrão que rouba a ladrão tem cem anos de perdão.
O que, verdadeiramente, é dramático não é a bancarrota de dois bancos cipriotas, que vai custar uns 10.000 milhões de euros aos cidadãos da União Europeia e uns 21.000 milhões aos depositantes russos.
O que é grave é a bancarrota dos princípios, anunciada, de forma sublime, pelo presidente do Eurogrupo, Sr. Jeroen Dijsselbloem, que considera o modelo cipriota exemplar e suscetível de ser aplicado em outros países.
Passamos a saber que a União Europeia desvaloriza completamente a regulação bancária e a responsabilização dos que abusaram do sistema financeiro, deixando aberta a possibilidade de  responsabilizar os depositantes pelos fracassos dos bancos.
Outrora, os estados investiam nos exércitos e na armadas para assaltarem os cobiçados tesouros dos outros. Agora, basta-lhes roubar o que é, ingenuamente, depositado nos bancos.
Fica, por esta via, destruída a (quase) única vantagem dos depósitos bancários: a segurança.
Apesar de venderem os dinheiro dos cidadãos com grandes margens de lucro, apesar de os estados tributarem, de forma violenta, os juros dos depósitos, muita gente há que deposita as suas poupanças porque tem medo de que lhe roubem o dinheiro guardado nos colchões.
As notícias dos últimos dias destruíram essa única vantagem.
Passou a ser mais arriscado ser roubado no banco do que no metropolitano.
É, tudo indica, o princípio da bancarrota da Europa.
Ou os cidadãos reagem ou será a própria Europa a soçobrar.

Lisboa,  2013-03-25

domingo, março 24, 2013

Em Portugal os dirigentes estão loucos


Tenho 61 anos, nasci no tempo da Ditadura e assisti, como jornalista, aos tempos áureos da Revolução de 1974/75, em Portugal.
Vi as mudanças todas: as positivas e as negativas.
Brindei à descolonização e ao nascimento de Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe e Timor.
Acompanhei a devolução de Macau à China e a entrada numa Europa a que nunca pertencemos, porque sempre tivemos, durante 800 anos, um inimigo aqui ao lado, que não nos deixava passar para o lado de lá.
Sempre defendi o favorecimento das relações com o Brasil e a África, de forma independente, em homenagem a Tordesilhas e àquele ditado que nos diz que “de Espanha não vem bom vento, nem bom tempo, nem bom casamento.”
Apostar na Espanha como principal parceiro comercial é uma asneira quase tão grande como foi a entrega do mar à União Europeia ou a venda da agricultura por meia dúzia de patacos, a troco de um política agrícola comum que nos partiu a espinha.
O euro foi a última das desgraças, exclusivamente motivada para ajudar a tapar o “buraco” alemão. Todos temos saudades do velho escudo, que nos permitia vender os nossos produtos bem vendidos, crescer todos os anos e não ter desemprego.
Éramos pobres mas vivíamos no melhor país da Europa, como o melhor sol da Europa e a melhor gastronomia da Europa.
Portugal era fantástico, antes da maldição do euro, com o qual nada ganhamos e só empobrecemos.
O confisco de Chipre é um aviso e uma esperança.
Devemos interpretá-lo como um teste, para ver a reação da Europa ao primeiro confisco de depósitos bancários feito na zona euro.
A lição do confisco de Chipre resume-se desta forma singela: quem tem dinheiro nos bancos é confiscado, de nada sofrendo, obviamente, quem  tiver os seus recursos guardados em moeda.
É a  velha lógica da preferência pela liquidez que, nos períodos de bancarrota, marca a diferença.
Por natureza não há bancarrota dos países. Há bancarrota dos bancos, quando eles não conseguem cumprir as suas obrigações para com os depositantes.
Os euros dos cipriotas, como os dos portugueses, dos espanhóis ou dos italianos, têm o mesmo valor dos euros dos alemães, com uma única condição: a de se encontrarem na sua disponibilidade, fora do sistema bancário.
Não há nenhum banco que pague juros do montante de 6,75% ao ano, o mínimo que seria necessário para compensar um confisco do tipo do anunciado em Chipre.
É certo que o governador do Banco de Portugal veio amansar os portugueses, aconselhando-os a não alimentar receios; mas ele não tem nenhuma competência nesse matéria, razão por que a sua intervenção deve ser apreciada pela negativa.
O silêncio do governo português,  relativamente a um pedido de esclarecimento da RTP, é simplesmente preocupante.
O blackout bancário em Chipre já começou e está programado até 5ª feira, o que só se justifica como medida para assegurar o efetivo confisco das contas.
Ninguém acreditava que uma tal medida fosse possível. Mas ela aí está no terreno, lançando a completa desconfiança no sistema financeiro do euro, que, afinal, não garante os depósitos até 100.000,00 €.
Não estamos perante um imposto, até porque não há lei que o preveja.
Estamos perante um confisco.
Com a mesmo prudência com que aconselhamos muitos portugueses e muitos estrangeiros a depositar os seus recursos em bancos portugueses – assumindo, naturalmente, a responsabilidade desse conselho – penso que é prudente levantar esse dinheiro e guardá-lo em espécie ou transferi-lo para outros territórios, em que não haja o risco de um confisco do tipo cipriota.
Parece-me, todavia, errado escolher a Alemanha como país de refúgio. Se  os bancos da Europa do Sul falirem, os bancos da Alemanha não ficarão em boa situação, até porque a dívida per capita dos alemães é muito maior do que a dos países do sul.
Parece-me que o melhor refúgio, nesta fase do campeonato, ainda é a moeda, ela mesma.
Levantar o dinheiro dos bancos, guardar os documentos que provam a sua legalidade... E esperar.
Amanhã pode ser tarde.


Miguel Reis

Lisboa, 18 de março de 2013


PS – Sou obrigado a escrever esta nota, que comuniquei a todos aqueles a quem aconselhei depósitos em Portugal, para que não possam acusar-me de qualquer deslealdade

Este texto tinha sido escrito antes do que se encontra abaixo publicado

Taxa, imposto e confisco


Há conceitos que se encontram há muito estabilizados, sendo preocupante que se instabilizem na atualidade.
Taxa é, provavelmente, o mais conceito mais ambíguo, pelo menos em Portugal.  Tanto significa o tributo destinado a pagar um serviço oferecido por entidade pública (taxa de radiodifusão, taxa de urgência, taxa de esgotos) como o percentual aplicado a determinado valor para determinação de uma coleta (a taxa de 48% sobre o rendimentos do trabalho).
Os brasileiros substituíram a expressão, quando ela é aplicada no segundo sentido, o que não só beneficiou a língua portuguesa, mas também beneficiou o rigor e a precisão. A alíquota, no português do Brasil,  é o percentual ou valor fixo que será aplicado sobre a base de cálculo para o cálculo do valor de um tributo.
Obviamente que ninguém confunde alíquota com taxa.
O imposto é a exigência de um pagamento a um particular ou a uma empresa por parte de um Estado, em razão da verificação de um facto e de uma previsão de cobrança nesse quadro fáctico.
Não deve haver, no plano dos princípios,  impostos retroativos nem impostos imprevisíveis, adotando-se nos países civilizados, relativamente a esta matéria, o princípio da tipicidade.
Só são tributáveis os factos que tenham sido previsto na lei, nos precisos termos da previsão.
O confisco é uma espécie de roubo, que consiste em “juntar ao tesouro” o que é apropriado pelo Estado, em condições (geralmente) não previstas na lei.
Muito usado no ancien régime, como arma do poder dominante, o confisco foi recuperado no último quartel do século XX como sanção de natureza penal.

Em Portugal, o  decreto-lei n.º 383/88, de 25 de Outubro, estabelece a disciplina jurídica de bens pertencentes a entidades estrangeiras cujo património haja sido objecto de confisco  nos respectivos países.

As leis penais preveem, na generalidade dos países da União Europeia, o confisco dos objetos usados para práticas criminosas, a favor do Estado.

O confisco está, também, previsto da generalidade das legislações relativamente  às mercadorias introduzidas no mercado com violação das normas aduaneiras.

As nacionalizações são uma forma moderada de confisco, por via das quais os bens e direitos nacionalizados se juntam ao tesouro, porém a obrigação de indemnizar, por parte do Estado expropriante.

Em Portugal, o Estado procedeu à nacionalização muitas empresas, nomeadamente do setor financeiro, dos transportes e das telecomunicações, em 1974 e 1975. Procedeu, também, à nacionalização de grandes propriedades rurais, para fazer a reforma agrária.

Ou pagou indemnizações  (gerando para isso dívida pública) ou privatizou as empresas e as terras, nomeadamente por via da sua devolução às pessoas que eram titulares de direitos a indemnização.

A “taxa” sobre os depósitos bancários anunciada no quadro do resgate da República de Chipre  não é uma taxa mas um confisco; melhor traduzido, um autêntico roubo, por parte de um Estado.

Os russos, que depositaram milhares de milhões de euros nos bancos de Chipre, não o teriam feito se tivessem imaginado que o governo cipriotas, com o apoio unânime de todos os ministros das finanças da União Europeia, se apropriariam de uma parte dos depósitos.

Seria, indiscutivelmente,  lícito um aumento dos impostos sobre os juros pagos como contrapartida de tais depósitos, como aconteceu, recentemente, em Portugal, em que os juros passaram a ser tributados á taxa de 28%.

Uma coisa é cobrar um imposto de 28% sobre juros, calculados à taxa de 3% ou 4% sobre o capital. Outra, completamente diferente, é cobrar uma “taxa” de 20% sobre os depósitos.

No primeiro quadro, o depositante mantém o capital e ainda recebe 72% dos juros. No segundo quadro, perde 20% do capital.

Ora, o que vimos relativamente a Chipre foi que os ministros das Finanças da União Europeia concordaram, de forma unânime, com o confisco.

Mesmo que eles afirmem que o modelo não vai ser aplicado em mais nenhum país, é óbvio que uma tal declaração não  merece nenhum crédito, porque o que está em causa não é o concreto circunstancialismo de Chipre mas uma rotura com os princípios, que põe em causa a fiabilidade dos sistema financeiro da União Europeia.

Sendo a “taxa” (expressão por que é tratado o confisco) aplicável aos depósitos bancários, em termos que destroem a própria ideia do depósito de dinheiro em bancos, parece-nos que a única via segura para preservar os valores monetários  consiste em os guardar em espécie.

Como é sabido, o depósito bancário é qualificado como um depósito irregular, ou seja, um depósito em que o depositário está obrigado a entregar não a própria coisa mas coisa de igual espécie e quantidade.

O dinheiro depositado em bancos passa a ser, a partir do momento do depósito, propriedade do banco, pelo que, se o banco o perder ou se o governo o confiscar, são recursos do próprio banco que são perdidos ou confiscados.

Sempre foi assim, há pelo menos 200 anos.

Mas a questão cipriota promete alterar tudo. O Estado retira aos bancos 20% dos recursos depositados (que são propriedade dos bancos) e desobriga-os de pagar o que se comprometeram a pagar aos particulares.

Toda a lógica se agrava na sua perversão quanto é certo que o confisco se destina a tapar os buracos dos bancos.

O Estado rouba aos particulares o que os bancos precisavam de roubar para resolver os seus próprios problemas, limpando, por essa via, a própria imagem dos bancos e onerando, de forma intolerável, a responsabilidade dos particulares.

Feita esta operação em Chipre, tal como está previsto, passa o modelo a ser possível em qualquer outro país da União Europeia.

A única forma que permite, às pessoas e às empresas, evitar o risco a que foram sujeitos os cipriotas reside na preferência absoluta pela liquidez, ou seja: guardar o dinheiro em espécie, em vez de o guardar nos bancos.

É por isso que, convictamente, aconselho todos os meus amigos e clientes a retirar a totalidade dos seus recursos dos bancos.

Antes que seja tarde.

 

23/3/2012